segunda-feira, 9 de abril de 2012


Quase sempre amanheço no meio da noite sem sequer ter dormido. Não há barulho na rua, mas há ruídos por dentro, cárceres tão privados que só os pensamentos ousam entrar. Tantas vontades jogadas pelo ralo, desperdício de afetos enviados a destinatários inaudidos, senão malditos pela sina do coração encouraçado. Quem sabe... o que faz o medo do amor é o sofrimento insuportável. Cada um conhece os seus calabouços e o peso da própria alma. Ainda na distância, esqueço a carta devolvida com o carimbo de 'endereço errado' e penso nele, visto-o com palavras e desenho o dia de sol ainda que chova. É assim o amor, um soco na razão. Explicar se há escolha? Quem há de...?
AílaSampaio




A carta dele falava de saudades antigas estendidas no varal da memória. Saudades que não secavam ao vento nem ao sol, que resistiam ao tempo, porque o amor, o amor, o amor não tem regulamento nem prazo de validade. Ela não respondeu... escolheu não escrever que quando os dois corações não escutam mais a mesma música, nenhuma dança é mais possível. O silêncio dela, talvez, tenha dito isso de alguma forma.
AílaSampaio




Outras saltam de dentro do meu vestido, outras faces minhas que não cabem no meu dentro: a que abusa do batom e só anda de salto; a que paga as contas em dia e explode de tanta responsabilidade. A do avesso sou eu mesma, descalça e sem maquiagem, cansada de academias e cobranças; fatigada de rótulos e tantos julgamentos. Rasguei todas as dietas, desfiz as juras de bom comportamento e desmarquei os compromissos com a sanidade. Quero somente a liberdade de ser o que sou, com ou sem vestido de festa, com ou sem salto e gargalhadas, de cara lavada ou pintada, sentada em cadeiras de mogno ou agachada no chão. Preciso de apenas um rosto pra olhar o mundo, um rosto que tenha a minha cara de dentro, triste ou feliz, antipática talvez ou quem sabe solícita, mas que tenha a autenticidade de não querer agradar a todos (sem sentir-se culpada por isso).
AilaSampaio


Pequenas tristezas, como achados numa caixa perdida no tempo, nos lembram que o tempo passou e não foi possível reter o que julgávamos essencial... ainda assim, temos que seguir, mutilados, incompletos, vulneráveis, mas vivos, capazes (?) de suportar o peso dos nossos desejos irrealizados e transformá-los em possibilidades, nunca em desesperanças.

AílaSampaio

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